sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Boas Festas!


Noite...


Encontraram-no caído
Ao fundo daquela rua;
Chamaram-no pelo nome, e era eu!
- O poeta andava à lua
E adormeceu...

Foi o que disse e jurou
Pela sua salvação
A Perdida
Que viu tudo da janela...
E o guarda soube por Ela,
Pelo pranto que chorava,
Quem era na minha vida
O Guarda que me guardava...

-Andar à lua é proibido...
Mas Ela pagou a lei
Por um beijo que lhe dei
Antes ou depois de ter caído,
Nem eu sei...

Miguel Torga

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Boas Festas!


Feliz Natal e que o Novo Ano de 2010 nos traga mais esperança e alegrias...


Abraço Natalício!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Oriente

Este lugar amou perdidamente
Quem o cabo rondou do extremo Sul
E a costa indo seguindo para Oriente
Viu as ilhas azuis do mar azul
............................................................

Viu pérolas safiras e corais
E a grande noite parada e transparente
Viu cidades nações viu passar gente
De leve passo e gestos musicais

Perfumes e tempero descobriu
E danças moduladas por vestidos
Sedosos flutuantes e compridos
E outro nasceu de tudo quanto viu
..........................................................

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Guitarra

Começa o choro
da guitarra.
Partem-se as copas
da madrugada.
Começa o choro
da guitarra.
É inútil calá-la.
É impossível
calá-la.
Chora monótona
como chora a água,
como chora o vento
sobre a nevada.
É impossível
calá-la.
Chora por coisas
distantes.
Areia quente do Sul
pedindo camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
nas ramadas.
Oh, guitarra!
Coração malferido
por cinco espadas.

Frederico Garcia Lorca
(Trad.: Eugénio de Andrade)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Alphonsus de Guimaraens

sábado, 26 de setembro de 2009

NÃO PASSARÃO - MIGUEL TORGA

Não desesperes, Mãe!
O último triunfo é interdito
Aos heróis que o não são.
Lembra-te do teu grito:
Não passarão!

Não passarão!
Só mesmo se parasse o coração
Que te bate no peito.
Só mesmo se pudesse haver sentido
Entre o sangue vertido
E o sonho desfeito.

Só mesmo se a raiz bebesse em lodo
De traição e de crime.
Só mesmo se não fosse o mundo todo
Que na tua tragédia se redime.

Não passarão!
Arde a seara, mas dum simples grão
Nasce o trigal de novo.
Morrem filhos e filhas da nação,
Não morre um povo!

Não passarão!
Seja qual for a fúria da agressão,
As forças que te querem jugular
Não poderão passar
Sobre a dor infinita desse não
Que a terra inteira ouviu
E repetiu:
Não passarão!

Miguel Torga in Poemas Ibéricos, 1965

terça-feira, 22 de setembro de 2009

VOAREI...

Eu serei sempre condor
Cruzando o azul do céu
Um romeiro voador
Solitário e sonhador
Rei de um reino só meu

Serei sempre como o vento
Andarilho da verdade
Catando o meu alimento
No sedutor chamamento
Dos olhos da Liberdade

Serei ave desprendida
Roçando o céu sem temor
Serei condor sem guarida
Porque a vida só é vida
Sem anilha nem senhor

Poema de Luís Costa

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Dies Irae


Apetece cantar, mas ninguém canta
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!

Miguel Torga

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Com Fúria e Raiva



Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 26 de julho de 2009

Aos meus amigos visitantes...


Este blog vai de férias. A todos os visitantes e amigos o desejo de um bom e merecido descanso.

Boas férias!
Safira

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Casa


A luz de carbureto
que ferve no gasómetro do pátio
e envolve este soneto
num cheiro de laranjas com sulfato
(as asas pantanosas dos insectos
reflectidas nos olhos, no olfacto,
a febre a consumir o meu retrato,
a ameaçar os tectos
da casa que também adoecia
ao contágio da lama
e enfim morria
nos alicerces como numa cama)
a pedregosa luz da poesia
que reconstrói a casa, chama a chama.

Carlos de Oliveira

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Soneto quase mudo

Pintura de Safira

Há o silêncio, às vezes, entre nós,
e é um silêncio denso, ou uma fala
críptica, uma linguagem que abdica
do som, para ser só a voz da alma...

Há súbitas catarses de palavras
em torrente, cachoeiras de espuma
efervescente, ou talvez a timidez
dos gestos reprimidos ou represos.

Há os olhos que dizem sem dizer,
há o fluido subtil de quem se entende
mais longe do que a vida nos permite.

E há a confiança na ausência,
há segredos sabidos sem saber,
manhãs comuns em cada amanhecer.

Rui Polónio Sampaio

sábado, 4 de julho de 2009

Poesia Matemática


Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio
passou a ser moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

Millôr Fernandes

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A prpósito dos cornos do Pinho, vamos cantar a canção do momento.


Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.

Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.

Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.

Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.

Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.

Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.

Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.

Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...

Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro aos milhões.

E diz o inteligente que acabaram
as canções.

Poema de José Carlos Ary dos Santos

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Madrugada



Rápidas mãos frias
retiram uma a uma
as vendas da sombra
Abro os olhos
Ainda
estou vivo
No centro
de uma ferida ainda fresca.

Octávio Paz

sábado, 20 de junho de 2009

Último Soneto


Que rosas fugitivas foste ali:
Requeriam-te os tapetes - e vieste...
- Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste
-Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...

Pensei que fosse o meu o teu cansaço
-Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...

E fugiste... Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...

Mário de Sá-Carneiro

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Caminho


Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.

Camilo Pessana

domingo, 14 de junho de 2009

SÍSIFO - Miguel Torga


Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Anósia


Que marinais sob tão pora luva
de esbranforida pela retinada
não dão volpúcia de imajar anteada
a que moltínea se adamenta ocuva?

Bocam dedetos calcurando a fuva
que arfala e dúpia de antegor tutada,
e que tessalta de nigrors nevada.
Vitrai, vitrai, que estamineta cuva!

Labiliperta-se infanal a esvebe,
agluta, acedirasma, sucamina,
e maniter suavira o termidodo...

Que marinais, dulcífima contebe,
ejacicasto, ejacifasto, arina!...
Que marinais, tão pora luva, todo...

Jorge de Sena

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Dia cansativo...


Um fusil com
balas de insulto pede-me
a pontaria certa para a queda.

A ferida entreaberta que desce o corpo ,
atabalhoadamente,
sem cores, talvez rubra ,
talvez não, chama-me.

Doem-me as mortes, até as verdadeiras.
como se fossem falsas,
como se me agonizassem sem que eu peça que mintam.

São mentira, as balas de insulto, de fel insulto,
é mentira a arma com que se dispara a emoção, ou as rajadas de emoção.

A inércia dá à costa, e as lágrimas dispõem-se em areal para a receber.
então eu marco um lanche na minha agenda.
um lanche comigo mesmo, ao qual não chegarei a tempo.
tenho fome, tenho fome de um fusil de verdade.

Nuno Travanca

terça-feira, 9 de junho de 2009

Prémio LEMNISCATA


Este prémio foi-me gentilmente oferecido pelo Blog "Pérola da Cultura"

"O selo deste prémio foi criado a pensar nos blogs que demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos seus leitores.

Cabe-nos, mais uma vez, a difícil tarefa de repassar este selo a 7 blogues considerados merecedores de receber este prémio", devendo eles proceder de igual modo.

Assim, desta vez escolhemos:


Sobre o significado de LEMNISCATA:

LEMNISCATA: “curva geométrica com a forma semelhante à de um 8; lugar geométrico dos pontos tais que o produto das distâncias a dois pontos fixos é constante.”


Lemniscato: ornado de fitas Do grego Lemniskos, do latim, Lemniscu: fita que pendia das coroas de louro destinadas aos vencedores.

(In Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora)

Acrescento que o símbolo do infinito é um 8 deitado, em tudo semelhante a esta fita, que não tem interior nem exterior, tal como no anel de Möbius, que se percorre infinitamente.

Texto da editora de "Pérola da cultura"

segunda-feira, 8 de junho de 2009

LES CHATS


Les amoureux fervents et les savants austères
Aiment également, dans leur mûre saison,
Les chats puissants et doux, orgueil de la maison,
Qui comme eux son frileux et comme eux sédentaires.

Amis de la science et de la volupté,
Ils cherchent le silence et l'horreur des ténèbres:
L'Érèbe les eût pris pour ses coursiers funèbres,
S'ils pouvaient au servage incliner leur fierté.

Ils prennent en songeant les nobles attitudes
Des grands sphinx alongés au fond des solitudes,
Qui semblent s'endormir dans un rêve sans fin:

Leurs reins féconds sont pleins d'étincelles magiques,
Et des parcelles d'or, ainsi qu'un sable fin,
Étoilent vaguement leurs prunelles mystiques.

Charles Baudelaire

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Selo Violeta


Recebi o selo violeta que me foi atribuído pelo blogue "Palavras e Afectos" , a cor violeta simboliza o conhecimento e traz boas vibraçoes. É atribuído a blogues que nos lembram algumas das sensações da cor violeta: magia, encanto, graciosidade, magnetismo e tudo aquilo que parece mágico".Devo passar a 6 blogues com estas características. Escolhi:

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Divina Comédia


Erguendo os braços para o Céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: - «Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triunfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inextinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
Num turbilhão cruel e delirante...

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: - «Homens! porque é que nos criastes?»

Antero de Quental

terça-feira, 26 de maio de 2009

Pianinho. Um Poema de Luís Costa



Mote: Com o meu vestido preto
Eu nunca me comprometo

Tenho um discurso limpinho
E cheio de sensatez
Digo as coisas de mansinho
E falo bem pianinho
De modo muito cortês

C’o meu discurso da treta
Não há quem me comprometa

Eu não alinho em doidices
Nem abuso de topete
Com umas quantas sonsices
Outras tantas lamechices
Já componho o ramalhete

C’o meu discurso da treta
Não há quem me comprometa

Por isso eu palavreio
Sempre com muito juízo
Eu sombreio e branqueio
Pranteio e saracoteio
Mas eu nunca concretizo

C’o meu discurso da treta
Não há quem me comprometa

Não me meto em alhadas
Muito menos em querelas
Não calcorreio auto-estradas
E “manifes” nem pintadas
Não vá o outro tecê-las
Luís Costa

sábado, 23 de maio de 2009

Crepúsculo


Pintura de Safira


E eu tinha os olhos cheios,
mas tão cheios de luz,
que se fechasse as pálpebras
ela jorraria como pranto,
como pranto — abrindo-se
em flores orvalhadas.
A luz cavava sulcos
em meu cérebro, aligeirando-o
como à árvore o vento
que lhe atira os frutos
ao chão, e aí,
libertas, as folhas
frondejam nas alturas
com um novo frémito.
A luz cavava sulcos
em meu cérebro e corria-me
pelas veias, lenta, calma.

Ággelos Sikelianós
(Trad.: José Paulo Paes)

terça-feira, 19 de maio de 2009

SINTO VERGONHA DE MIM - Poesia de Rui Barbosa



Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte deste povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-Mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o 'eu' feliz a qualquer custo,
buscando a tal 'felicidade'
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos 'floreios' para justificar
actos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre 'contestar',
voltar atrás
e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.

Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir o meu Hino

e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar o meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo deste mundo!

'De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto'.

Rui Barbosa

domingo, 17 de maio de 2009

El Maestro, Patxi Andion

http://www.youtube.com/watch?v=cmToaxxeZNQ

Con el alma en una nube
y el cuerpo como un lamento
viene el problema del pueblo,
viene el maestro.

El cura cree que es ateo,
y el alcalde comunista,
y el cabo jefe de puesto
piensa que es un anarquista.
Le deben treinta y seis meses
del cacareado aumento
y él piensa que no es tan malo
enseñar toreando un sueldo.
En el casino del pueblo
nunca le dieron asiento
por no andar politiqueando
ni ser portavoz de cuentos.

Las buenas gentes del pueblo
han escrito al ministerio
y dicen que no está claro
cómo piensa ese maestro.
Dicen que lee con los niños
lo que escribió un tal Machado
que anduvo por estos pagos
antes de ser exiliado.

Les habla de lo innombrable
y de otras cosa peores,
les lee libros de versos
y no les pone orejones.
Al explicar cualquier guerra
siempre se muestra remiso
por explicar claramente
quién venció y fue vencido.
Nunca fue amigo de fiestas
ni asiste a las reuniones
de las damas postulantes,
esposas de los patrones.

Por estas y otras razones
al fin triunfó el buen criterio
y al terminar el invierno
le relevaron del puesto.
Y ahora las buenas gentes
tienen tranquilo el sueño
porque han librado a sus hijos
del peligro de un maestro.

Con el alma en una nube
y el cuerpo como un lamento
se marcha el padre del pueblo,
se marcha el maestro.

quinta-feira, 14 de maio de 2009


Loucura

Viver uma loucura,
Acreditar numa aventura.
Cada momento
de encantamento
Representa uma vitória,
no enorme caminho
Para a glória.
Cada pessoa com as quais cruzamos,
cada palavra em aque acreditamos,
Representa a verdade que queremos alcançar.

Fechar os olhos e sentir,
Ter necessidade de reagir
Ao mundo que nos faz reflectir.
Olhar em frente,
Por vezes assustar e cair.
Levantar como toda a gente,
Ter necessidade de seguir.

Acreditar é a palavra-chave,
Para não haver nenhum entrave
No caminho,
Um caminho inacabável.
Construir o futuro
Sempre instável,
Mas o coração,
Sempre seguro.

Safira

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Liberdade, onde estás? Quem te demora?



Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!), porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha... Oh!, venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!

Bocage

quinta-feira, 26 de março de 2009

Lágrimas ocultas...



Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca

sábado, 14 de março de 2009

Se eu pudesse...




Se eu pudesse..
Mostrava ao mundo
O caminho da paz e do amor;
Deitava por terra
Todas as ruas da solidão e da dor;

Se eu pudesse...
Fazia uma criança sorrir;
Fazia uma flor brotar;
O mundo bem mais longe podia ir
Se todos no coração, tivessem a palavra Amor.

Se eu pudesse...
Quebrava as correias da infelicidade;
Calava as vozes da arrogância;
Mostrava aos ricos a humildade e a partilha;
Seria bem mais fácil, se todos soubessem amar.

Se eu pudesse...
Todos saberiam a diferença entre o bem e o mal;
Entre o amor e o ódio;
Entre a solidão e o companheirismo;
Entre o ser tudo e não ser nada;
Entre a humanidade e a desumanidade;
Para sabermos,
O que realmente somos nós!

Safira

domingo, 1 de março de 2009

No queda sino un beso de la sal


Pintura de Safira

SI de tus dones y de tus destrucciones, Océano
a mis manos
pudiera destinar una medida, una fruta, un fermento,
escogería tu reposo distante, las líneas de tu acero,
tu extensión vigilada por el aire y la noche,
y la energía de tu idioma blanco
que destroza y derriba sus columnas
en su propia pureza demolida.

No es la última ola con su salado peso
la que tritura costas y produce
la paz de arena que rodea el mundo:
es el central volumen de la fuerza,
la potencia extendida de las aguas,
la inmóvil soledad llena de vidas.
Tiempo, tal vez, o copa acumulada
de todo movimiento, unidad pura
que no selló la muerte, verde víscera
de la totalidad abrasadora.

Del brazo sumergido que levanta una gota
no queda sino un beso de la sal. De los
cuerpos
del hombre en tus orillas una húmeda
fragancia
de flor mojada permanece. Tu energía
parece resbalar sin ser gastada,
parece regresar a su reposo.

La ola que desprendes,
arco de identidad, pluma estrellada,
cuando se despeñó fue sólo espuma,
y regresó a nacer sin consumirse.

Toda tu fuerza vuelve a ser origen.
Sólo entregas despojos triturados,
cáscaras que apartó tu cargamento,
lo que expulsó la acción de tu abundancia,
todo lo que dejó de ser racimo.

Tu estatua está extendida más allá de las olas.

Viviente y ordenada como el pecho y el manto
de un solo ser y sus respiraciones,
en la materia de la luz izadas,
llanuras levantadas por las olas,
forman la piel desnuda del planeta.
Llenas tu propio ser con tu substancia.

Colmas la curvatura del silencio.

Con tu sal y tu miel tiembla la copa,
la cavidad universal del agua,
y nada falta en ti como en el cráter
desollado, en el vaso cerril:
cumbres vacías, cicatrices, señales
que vigilan el aire mutilado.

Tus pétalos palpitan contra el mundo,
tiemblan tus cereales submarinos,
las suaves ovas cuelgan su amenaza,
navegan y pululan las escuelas,
y sólo sube al hilo de las redes
el relámpago muerto de la escama,
un milímetro herido en la distancia
de tus totalidades cristalinas.

Pablo Neruda

sábado, 21 de fevereiro de 2009

As palavras sempre ficam...




Se me disseres que me amas, acreditarei.
Mas se escreveres que me amas,
Acreditarei ainda mais.

Se me falares da tua saudade, entenderei,
Mas se escreveres sobre ela,
Eu a sentirei junto contigo.

Se a tristeza vier a te consumir e me contares,
Eu entenderei, mas se a escreveres no papel,
O seu peso será menor.

E assim são as palavras escritas:
possuem um magnetismo especial, libertam,
acalentam, invocam emoções...

Safira

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Dia dos namorados...


Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


Álvaro de Campos, 21-10-1935

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Pequenos deuses caseiros...


Pequenos deuses caseiros
que brincais aos temporais,
passam-se os dias, semanas,
os meses e os anos e vós jogais,
jogais o jogo dos tiranos.

Pequenos deuses caseiros
cantai cantigas macias
tomai vossa morfina,
perdulai vossos dinheiros
derramai a vossa raiva
gozai vossas tiranias,
pequenos deuses caseiros.

Erguei vossos castelose
legei vossos senhores
espancai vossos criados,
violai vossas criadas,
e bebei, o vinho dos traidores
servido em taças roubadas.

Dormi em colchões de penas,
dançai dias inteiros,
comprai os que se vendem,
alteai vossas janelas
e trancai as vossas portas,
pequenos deuses caseiros e reforçai,
reforçai as sentinelas.

Sidónio Muralha

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Porque...



Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.



Sophia de Mello Breyner Andersen

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Nostalgia...


Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que plas aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-me esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

Ó meu País de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar!Não sei por onde vim...
Ah!Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!

Florbela Espanca

domingo, 18 de janeiro de 2009

O MEDO...


Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.

Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.

Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.

Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido...

Alexandre O'Neill


sábado, 17 de janeiro de 2009

Um poema de Miguel Torga

Hoje faz 14 anos sobre a morte do poeta Miguel Torga, em jeito de homenagem aqui fica este poema dele.



ARIANE

Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades...
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades...

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.

MIGUEL TORGA Prisão do Aljube - Lisboa, 1 Jan 1940

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Soneto


Fecham-se os dedos donde corre a esperança,

Toldam-se os olhos donde corre a vida.

Porquê esperar, porquê, se não se alcança

Mais do que a angústia que nos é devida?


Antes aproveitar a nossa herança

De intenções e palavras proibidas.

Antes rirmos do anjo, cuja lança

Nos expulsa da terra prometida.


Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,

Antes o olhar que peca, a mão que rouba,

O gesto que estrangula, a voz que grita.


Antes viver do que morrer no pasmo

Do nada que nos surge e nos devora,

Do monstro que inventámos e nos fita.


José Carlos Ary dos Santos

sábado, 3 de janeiro de 2009

Poema de Maiakovsk

Pintura de Safira

"Na primeira noite, eles se aproximam
e colhem uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem,
pisam as flores, matam o nosso cão.
E não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles, entra
sozinho em nossa casa, roubando-nos a lua,
e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada."

Maiakovsk