sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Vinhas da Ira

Enquanto se arrastam centenas de sem-abrigo pelas ruas de Lisboa, há quem tenha a amabilidade de nos recordar os benefícios do capitalismo. As principais lojas da Avenida da Liberdade são o espelho dos tempos que vivemos. Durante o dia, enchem-se daqueles homens e mulheres que não existem senão nas telenovelas, nas revistas cor-de-rosa e na Quinta da Marinha. Ao cair da noite, o cenário muda. É ali que Lisboa sepulta todos aqueles que não têm casa. Trazem cartões, cobertores e sacos-cama e deixam-se dormir até que a luz do dia traga consigo as tias de Cascais. Ainda assim, não é mau. Pior foi quando houve eleições presidenciais e Cavaco Silva elegeu o edifício ao lado do Hard Rock Cafe para sede de campanha. Então, renovaram o espaço, estenderam uma passadeira vermelha e mandaram a polícia expulsar os indigentes. Isto porque, como todos sabem, os sem-abrigo não têm lugar nos escaparates da democracia.Mais às claras, sucedem-se as intermináveis filas de desempregados à porta dos Centros de Emprego. Começam a aparecer por volta das cinco da manhã e trazem no rosto o desespero e o olhar perdido. Do outro lado da rua, uma empresa de trabalho temporário promove a empregabilidade imediata. Faz lembrar as floristas junto aos cemitérios. Principalmente aquelas que roubam as flores dos defuntos para novamente as venderem como se de reciclagem se tratasse. E o interminável exército de desempregados é isso mesmo. Foram despejados ali pelo capital e no outro passeio os mesmos carrascos sorriem e propõem-lhes a escravatura. Não há nada de novo. Não é muito diferente da novela Vinhas da Ira de John Steinbeck. O aumento do número de pessoas sem trabalho ao longo dos anos tem sido tão grande que já há quem faça da observação uma ferramenta de análise da evolução da crise. Uma mulher contava que há uns dois anos, na Amadora, a fila não ia além da sapataria Charles. Agora, os desempregados chegam à mercearia do transmontano Manuel. Não sabe aonde é que tudo isto pode acabar mas tem a certeza de que se algum dia chegarem às caixas de fruta do senhor Zé estoura a violência. Como no dia em que caiu Tom Joad. Esperemos que, então, o capitalismo deixe de caminhar pelas estradas inexoráveis da farsa em que vivemos e a que chamam democracia. Está nas nossas mãos.

Por, Bruno Carvalho

domingo, 15 de janeiro de 2012

A NOVA GRAFIA

Quando eu escrevo a palavra acção, por magia ou
pirraça, o computador retira automaticamente o C na pretensão de me ensinar a nova grafia.

De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa.

Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim.

São muitos anos de convívio.

Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes CCC's e PPP's me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância.

Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: - não te esqueças de mim!

Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí.

E agora as palavras já nem parecem as mesmas.

O que é ser proativo?

Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos.

Depois há os intrusos, sobretudo o R, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato.

Caíram hifenes e entraram RRR's que andavam errantes.

É uma união de facto, e para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família. Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem.

Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os EEE's passaram a ser gémeos, nenhum usa ( ^^^) chapéu.

E os meses perderam importância e dignidade; não havia motivo para terem privilégios. Assim, temos janeiro, fevereiro, março, são tão importantes como peixe, flor, avião.

Não sei se estou a ser suscetível, mas sem P, algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham.

As palavras transformam-nos.

Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos.

Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do C não me faça perder a direção, nem me fracione, e nem quero tropeçar em algum objeto.

Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um C a atrapalhar.

Só não percebo porque é que temos que ser NÓS a alterar a escrita, se a LÍNGUA É NOSSA ...? ! ? ! ?


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Os ingleses não o fizeram, os franceses desde 1700 que não mexem na sua língua e porquê nós ?

Será que não pudemos, com a ajuda da troika, recuperar do deficit na nossa língua ?

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A realidade é o que a nossa memória quiser...

Um história coreana sobre a amnésia.
Um dia, depois de uma longa e penosa caminhada, um amnésico viu um ribeiro. Despiu a roupa para se atirar à água límpida e pendurou-a numa árvore.
Ao sair da água, inteiramente nu, viu a roupa e disse:
— Olha! Alguém se esqueceu da roupa e do chapéu, vou usá-los!
Enfiou a roupa, pôs o chapéu, calçou os sapatos e foi-se embora todo contente.

Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema (adaptado)

A VOZ DA ÁGUA

Tão delicada
É a voz
Da água
E os seus cálices
Que não contêm nada

Eu direi
Que é a luz da luz
A nudez do silêncio
Ouves?
O centro é branco
O ar é ar

Ouves?
Ninguém canta
As veias da montanha são claras
O vaso na limpidez desaparece.

António Ramos Rosa

domingo, 1 de janeiro de 2012

Amigos, um excelente ano 2012!

Amigos,

Envio-vos sinceros votos de um excelente ano de 2012 e duas frases para reflexão de alguém que admiro profundamente, já que nunca arranjou desculpas para cruzar os braços, Mahatma Gandi.

Parecem-me as mais adequadas relativamente aos tempos que vivemos.

"A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na vitória propriamente dita."

"A Terra tem o suficiente para satisfazer as necessidades de todos os homens, mas não sua ganância."

Um grande abraço!

Safira