sábado, 20 de junho de 2009

Último Soneto


Que rosas fugitivas foste ali:
Requeriam-te os tapetes - e vieste...
- Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste
-Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...

Pensei que fosse o meu o teu cansaço
-Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...

E fugiste... Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...

Mário de Sá-Carneiro

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Caminho


Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.

Camilo Pessana

domingo, 14 de junho de 2009

SÍSIFO - Miguel Torga


Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Anósia


Que marinais sob tão pora luva
de esbranforida pela retinada
não dão volpúcia de imajar anteada
a que moltínea se adamenta ocuva?

Bocam dedetos calcurando a fuva
que arfala e dúpia de antegor tutada,
e que tessalta de nigrors nevada.
Vitrai, vitrai, que estamineta cuva!

Labiliperta-se infanal a esvebe,
agluta, acedirasma, sucamina,
e maniter suavira o termidodo...

Que marinais, dulcífima contebe,
ejacicasto, ejacifasto, arina!...
Que marinais, tão pora luva, todo...

Jorge de Sena

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Dia cansativo...


Um fusil com
balas de insulto pede-me
a pontaria certa para a queda.

A ferida entreaberta que desce o corpo ,
atabalhoadamente,
sem cores, talvez rubra ,
talvez não, chama-me.

Doem-me as mortes, até as verdadeiras.
como se fossem falsas,
como se me agonizassem sem que eu peça que mintam.

São mentira, as balas de insulto, de fel insulto,
é mentira a arma com que se dispara a emoção, ou as rajadas de emoção.

A inércia dá à costa, e as lágrimas dispõem-se em areal para a receber.
então eu marco um lanche na minha agenda.
um lanche comigo mesmo, ao qual não chegarei a tempo.
tenho fome, tenho fome de um fusil de verdade.

Nuno Travanca

terça-feira, 9 de junho de 2009

Prémio LEMNISCATA


Este prémio foi-me gentilmente oferecido pelo Blog "Pérola da Cultura"

"O selo deste prémio foi criado a pensar nos blogs que demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos seus leitores.

Cabe-nos, mais uma vez, a difícil tarefa de repassar este selo a 7 blogues considerados merecedores de receber este prémio", devendo eles proceder de igual modo.

Assim, desta vez escolhemos:


Sobre o significado de LEMNISCATA:

LEMNISCATA: “curva geométrica com a forma semelhante à de um 8; lugar geométrico dos pontos tais que o produto das distâncias a dois pontos fixos é constante.”


Lemniscato: ornado de fitas Do grego Lemniskos, do latim, Lemniscu: fita que pendia das coroas de louro destinadas aos vencedores.

(In Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora)

Acrescento que o símbolo do infinito é um 8 deitado, em tudo semelhante a esta fita, que não tem interior nem exterior, tal como no anel de Möbius, que se percorre infinitamente.

Texto da editora de "Pérola da cultura"

segunda-feira, 8 de junho de 2009

LES CHATS


Les amoureux fervents et les savants austères
Aiment également, dans leur mûre saison,
Les chats puissants et doux, orgueil de la maison,
Qui comme eux son frileux et comme eux sédentaires.

Amis de la science et de la volupté,
Ils cherchent le silence et l'horreur des ténèbres:
L'Érèbe les eût pris pour ses coursiers funèbres,
S'ils pouvaient au servage incliner leur fierté.

Ils prennent en songeant les nobles attitudes
Des grands sphinx alongés au fond des solitudes,
Qui semblent s'endormir dans un rêve sans fin:

Leurs reins féconds sont pleins d'étincelles magiques,
Et des parcelles d'or, ainsi qu'un sable fin,
Étoilent vaguement leurs prunelles mystiques.

Charles Baudelaire

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Selo Violeta


Recebi o selo violeta que me foi atribuído pelo blogue "Palavras e Afectos" , a cor violeta simboliza o conhecimento e traz boas vibraçoes. É atribuído a blogues que nos lembram algumas das sensações da cor violeta: magia, encanto, graciosidade, magnetismo e tudo aquilo que parece mágico".Devo passar a 6 blogues com estas características. Escolhi:

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Divina Comédia


Erguendo os braços para o Céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: - «Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triunfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inextinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
Num turbilhão cruel e delirante...

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: - «Homens! porque é que nos criastes?»

Antero de Quental