terça-feira, 28 de outubro de 2008

Poema de Manuel Alegre




Letra para um Hino

É possível falar sem um nó na garganta

é possível amar sem que venham proibir

é possível correr sem que seja fugir.

Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.


É possível andar sem olhar para o chão

é possível viver sem que seja de rastos.

Os teus olhos nasceram para olhar os astros

se te apetece dizer não grita comigo: não.


É possível viver de outro modo. É

possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.


Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.

É possível viver sem fingir que se vive.

É possível ser homem.

É possível ser livre livre livre.


Manuel Alegre, O canto e as armas

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Raiz do medo - Um poema de Luís Costa


É hora de soltar o credo

E acreditar!
E todos querem confiar,
Todos se querem capacitar…
Mas quem se capacita?

É hora de soltar o medo
E tentar!
E todos querem ousar,
Todos querem incitar…
Mas quem incita?

É a hora de soltar o grito
E bradar!
E todos querem reclamar,
Todos querem gritar…
Mas quem grita?

É hora de rasgar o mito
E pensar!
E todos querem sonhar,
Todos querem volitar…
Mas quem volita?

É a hora da alvorada,
Mas já ninguém faz nada
Sem que alguém permita!

Luís Costa

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Crepúsculo. Um poema de Luís Costa


A cada dia que passa,
Mais doze mestres se vão!
Resta a tísica carcaça
De um triste corpo sem raça,
Prostrado no sujo chão!

Vão-se os nobres cavaleiros,
A alma do batalhão,
Ficam os novos braceiros,
Mais pacatos, mais ordeiros,
Mais dados a sujeição.

As sentinelas rendidas
Desertam do quarteirão:
Nada fazem, estão vendidas
E assistem às partidas
De lenço branco na mão!

Vai-se o senado embora,
Sem honra nem gratidão!
Neste Portugal de agora,
Há um futuro que chora
No silêncio da Nação!

Luís Costa

domingo, 12 de outubro de 2008

Quando o dia amanhecer - Um poema de Luís Costa












Quando o dia amanhecer

Eu quero estar acordado
Para ver o Sol crescer
E a luz resplandecer
No teu rosto animado

Quando esta noite sombria
Sem estrela nem luar
Morrer nos braços do dia
Eu vou rever a alegria
No brilho do teu olhar

Quando esta noite de breu
Der lugar ao céu azul
Serei livre em jubileu
Como uma ave no céu
Volitando para Sul

Quando o dia amanhecer
Vou estar bem acordado
Para ver o Sol reger
Ver a luz recrudescer
E ser feliz a teu lado


Luís Costa

sábado, 11 de outubro de 2008

Hino da Indignação - Um poema de Luís Costa

Professores de Portugal


Gente nobre e dedicada
Força fértil e vital

Desta Pátria sufocada
Acorrei todos à praça
Resgatar a Educação
Perdida na nevoaça
Do Outono da Nação

Está na hora de lutar
Com a nossa indignação
Está na hora de bradar
É preciso dizer NÃO

NÃO à condição servil
NÃO à vã mediocridade
NÃO à demissão de Abril
Aos chacais da liberdade
NÃO ao sonho amordaçado
NÃO ao silêncio da voz
NÃO à perda do legado
Da Escola de todos nós

Está na hora de lutar
Com a nossa indignação
Está na hora de bradar
É preciso dizer NÃO

Luís Costa

sábado, 4 de outubro de 2008

MIGALHÃES



Lá vem pelo avelar

O filho do Zé João

Vem do centro escolar

Cansado de palmilhar

A caminho da povoação

Não há médico na aldeia

E a antiga escola fechou

Não tem carne para a ceia

Nem petróleo para a candeia

Porque o dinheiro acabou

O seu pai foi para França

Trabalhar na construção

E a mãe desta criança

Trabalha na vizinhança

Lavando pratos e chão

Mas o puto vem contente

Com o Migalhães na mão

E passa por toda a gente

Em alegria aparente

De quem já sabe a lição

Um senhor muito invulgar

Que chegou com mais senhores

Veio para visitar

O novo centro escolar

E dar os computadores

E lá vem o Joãozinho

No seu contínuo vaivém

Calcorreando o caminho

Desesperando sozinho

À espera da sua mãe

Neste país de papões

A troco de dois vinténs

Agravam-se as disfunções

O rico ganha milhões

E o pobre Migalhães


Luís Costa

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O último sumário...

A aldeia descansava no cimo de um cabeço, entre um espelho de água fria, recém-nascida — convidativa à contemplação do ventre da terra — e as ingremidades rugosas da serra carrancuda, impondo o seu corpanzil rochoso ao casario granítico minúsculo, discretamente aninhado num leito de carvalhos e sobreiros, parecendo torcer o nariz ao povo que, de sol a sol, lhe esgaravatava a pele. O ar transparente das montanhas rescendia à humosa textura do chão, ao feno seco e amarelado das medas coniformes, ao inconfundível hálito céltico do Gerês. Na calma vespertina daquele lugar primordial, retinia o silvo metálico de uma enxada, ressoando insistentemente contra as paredes da montanha, e o gemer de um carro de bois, que rasgava as estreitas e umbrosas ruas do burgo, adormecido sob o lençol de estio que o Agosto lhe impunha. Do cimo de um pequeno outeiro, sobre os cambados telhados de argila, espalhava-se um alegre chilreio de crianças, como floral perfume do futuro espargido sobre a aldeia. Vinha do recreio da antiga escola primária


Ladeado por dois ciprestes carregados de verde, o pequeno edifício, guardado por um muro já tolhido pelos arremessos do Inverno, jazia sobre um descampado, onde as plantas silvestres se tornavam senhoras, por usucapião. No seu rosto envelhecido, belos adornos de cantaria e uma haste, em diagonal, apoiada sobre uma pequena mísula de granito saliente da espessa alvenaria da parede. Por detrás, no antigo recreio, alguns rapazotes, em jeito caprino, disputavam a posse de uma bola mágica, que ziguezagueava ao ritmo frenético dos pontapés. Ao fundo do terreiro, duas pedras disformes compunham o cenário da baliza, para onde convergia a ilusão dos pequenos Ronaldos.

No interior da escola, um ar húmido e mofoso pesava sobre o soalho carcomido e atapetado pelo pó, que rangia os dentes a cada passo que eu ousava dar. Os esqueletos das carteiras, também eles em evidente decomposição, descaíam para o chão, para a terra que já foram, para aquilo em que haveriam de transformar-se, antes de ressurgir, em botânica forma. Ao fundo, sobre o estrado, a secretária, de sólida madeira de castanho, hibernando silenciosamente, resistia à vertigem do tempo, à voragem de uma época nua de ideais, devoradora compulsiva de raízes. Por trás, voltada para o quadro, a cadeira do professor parecia eternizar o último acto do mestre, quando dela se ergueu para escrever o último sumário, no quadro negro, sobre o qual era ainda visível a marca de um crucifixo, que alguém não deixou ficar ali, naquela sala vazia, penumbrosa, votado ao abandono.

Um véu de melancolia repousava sobre todo aquele lugar habitado pelas brumas de outrora, numa dimensão em que todos os gestos, todas as palavras, todos os sorrisos se perpetuam, para se repetirem infinitamente, até um dia poderem emergir do impossível.

Uma folha solta, esquecida num canto, sob a enorme vidraça esventrada, esperando debaixo de um xaile de tempo, despertou a minha atenção. Levantei-a pela ponta dos dedos e voltei-a para mim. Era este simples registo de um diário, já com três anos de dormência:

«Hoje a senhora professora ainda veio à escola, mas não tinha meninos, por causa da neve. Hoje, os alunos deram feriado à senhora professora!».
Luís Costa

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Manifesto Anti-Sarcos




Basta!
Morra o Sarcos! Rá-tá-tá!

Abaixo a arrogância, a prepotência!
Abaixo a jactância e a impostura
Escondida na armadura
Fashion e macia
Desta macilenta democracia!

Basta!
Morra o Sarcos! Rá-tá-tá!

O Sarcos é um bacano
O Sarcos é um porreiro, pá,
Eleito por engano
Em domingo de nevoeiro!
O Sarcos tem um canudo
De cortiça
Um canudo de Entrudo,
Com fitas e tudo,
Comprado depois da missa!


Basta!
Morra o Sarcos! Rá-tá-tá!


O Sarcos mente ao país
Com quantos dentes tem!
Cala e fala a preceito
E não sabe o que diz.
O Sarcos não respeita ninguém
O Sarcos não tem coração:
Manda e desmanda sem jeito
O Sarcos é um anão
Do Socialismo e do Direito!

Basta!
Morra o Sarcos! Rá-tá-tá!

Um país que tem Sarcos
É um feudo ordinário,
Que fabrica pobreza
Para alimentar a avareza
Do gordo milionário!
O Sarcos vai dar de frosques,
Porque é um Robim dos Bosques
Virado ao contrário!

Basta!
Morra o Sarcos! Rá-tá-tá!

O Sarcos é um corvo,
Augúrio do retrocesso
E da liberdade esganada!
O Sarcos é um estorvo
Um empecilho de alabastro
Que nos impede o progresso!
Arranquemos este emplastro,
Esta excrescência da política
Que leva à derrocada
E à liberdade somítica!

Basta!
Morra o Sarcos! Rá-tá-tá!

E como se abate
Este bicho ignoto?
Com arma de chocolate:
O VOTO!

Basta!
Morra o Sarcos! Rá-tá-tá!

Luís Costa