quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Um cê a mais - Execelente Texto

Na qualidade de professora, já utilizo o novo acordo ortográfico, confesso que não tenho encontrado grande estímulo nesta nova forma de escrever, mas o que me resta ? Liderar uma rebelião qual D. Quixote a combater os moinhos de vento?

Fica este excelente texto que muito gostei de ler e aqui partilho

TEXTO


Quando eu escrevo a palavra acção, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o C na pretensão de me ensinar a nova grafia.

De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa.

Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim.

São muitos anos de convívio.

Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes CCC's e PPP's me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância.

Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: - não te esqueças de mim!

Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí.

E agora as palavras já nem parecem as mesmas.

O que é ser proativo?

Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos.

Depois há os intrusos, sobretudo o R, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato.

Caíram hifenes e entraram RRR's que andavam errantes.

É uma união de facto, e para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família. Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem.

Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os EEE's passaram a ser gémeos, nenhum usa ( ^^^) chapéu.

E os meses perderam importância e dignidade; não havia motivo para terem privilégios. Assim, temos janeiro, fevereiro, março, são tão importantes como peixe, flor, avião.

Não sei se estou a ser suscetível, mas sem P, algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham.

As palavras transformam-nos.

Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos.

Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do C não me faça perder a direção, nem me fracione, e nem quero tropeçar em algum objeto.

Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um C a atrapalhar.

Só não percebo porque é que temos que ser NÓS a alterar a escrita, se a LÍNGUA É NOSSA ...? ! ? ! ?


Um Abraço
João Oliveira Martins

terça-feira, 27 de setembro de 2011

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Caminhos

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada…
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada…
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!…

Cada um por seu lado!… Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!…

Deixai-me chorar mais e beber mais,
perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar — encher a alma.

[Camilo Pessanha]

domingo, 18 de setembro de 2011

Despedida do TREMA

Não sei quem escreveu, mas quem
assina é o TREMA ...
É uma tremenda aula de
criatividade e bom humor,
por sinal, com acentuada inteligência.
A consequência não poderia ser outra:
uma agradável leitura...


Despedida do TREMA

Estou indo embora. Não há mais
lugar para mim.Eu sou o trema.
Você pode nunca ter reparado em
mim, mas eu estava sempre ali,
na Anhangüera, nos aqüíferos,
nas lingüiças e seus trocadilhos
por mais de quatrocentos e
cinqüentas anos.
Mas os tempos mudaram.
Inventaram uma tal de reforma
ortográfica e eu simplesmente tô
fora. Fui expulso pra sempre do
dicionário. Seus ingratos! Isso é
uma delinqüência de lingüistas
grandiloqüentes!...
O resto dos pontos e o alfabeto
não me deram o menor apoio... A
letra U se disse aliviada porque
vou finalmente sair de cima dela.
Os dois pontos disse que eu sou
um preguiçoso que trabalha
deitado enquanto ele fica em pé.
Até o cedilha foi a favor da minha
expulsão, aquele C cagão que
fica se passando por S e nunca
tem coragem de iniciar uma
palavra. E também tem aquele
obeso do O e o anoréxico do I.
Desesperado, tentei chamar o
ponto final pra trabalharmos
juntos, fazendo um bico de
reticências, mas ele negou,
sempre encerrando logo todas as
discussões. Será que se deixar
um topete moicano posso me
passar por aspas?... A verdade é
que estou fora de moda. Quem
está na moda são os
estrangeiros, é o K e o W, "Kkk"
pra cá, "www" pra lá.
Até o jogo da velha, que ninguém
nunca ligou, virou celebridade
nesse tal de Twitter, que aliás,
deveria se chamar TÜITER. Chega
de argüição, mas estejam
certos, seus moderninhos: haverá
conseqüências! Chega
de piadinhas dizendo que estou
"tremendo" de medo. Tudo bem,
vou-me embora da língua
portuguesa. Foi bom enquanto
durou. Vou para o alemão, lá eles
adoram os tremas. E um dia
vocês sentirão saudades. E não
vão agüentar!...
Nós nos veremos nos livros
antigos. Saio da língua para
entrar na história.
Adeus,
Trema.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

AVALIAÇÃO DE PROFESSORES, O EMBUSTE


Contrariamente ao que o anterior Governo se ocupou em afirmar até à exaustão, num processo em que foi secundado pelos sindicatos do sector, os professores do Ensino Público, na sua vivência profissional, sempre estiveram sujeitos a contínuos processos mais ou menos formais de avaliação funcional (e formativa) de desempenho.

Basta reflectir um pouco para constatar que não existe actividade mais escrutinada do que a actividade docente e que essa amplíssima exposição constitui mesmo uma especificidade intrínseca ao exercício da profissão.

O trabalho de um professor desenvolve-se necessariamente perante os seus alunos e respectivos encarregados de educação – 20-30 alunos, 40-60 encarregados de educação por turma, multiplicáveis até à dezena de turmas por professor…! – e em articulação estreita com os outros professores e auxiliares educativos, num dia-a-dia que, necessariamente, suscita partilha de informação e experiência e envolve trabalho formal de apreciação e comparação de situações dos alunos no âmbito da mera vivência colectiva escolar, num quadro sincrónico de várias disciplinas ou numa apreciação diacrónica de cada disciplina em anos subsequentes.

Se professores, alunos e encarregados de educação facilmente reconhecem essa particular condição de contínua exposição e consequente avaliação de desempenho dos docentes, como pode um Governo e alguns Sindicatos agir como se a desconhecessem? – e como pode a generalidade dos media reproduzir tal discurso ignorando o seu óbvio desenquadramento da realidade?

Não me atrevo a especular sobre as razões que terão estado por detrás de um tão bizarro procedimento, mas devo constatar que, para o fazerem, Governo (PS) e Sindicatos nos andaram a confundir com duas espécies de avaliação distintas: avaliação funcional, a tal avaliação permanente que é intrínseca ao desempenho da actividade docente; avaliação administrativa, uma aferição de exercício assente em critérios formalmente relevantes e que se destina a informar processos de progressão profissional.

Para patentear a muita má-fé de que enfermou todo esse processo, acresce que os governantes (PS), em reiteradas, injustas e até ofensivas intervenções, vieram acusar os (indolentes? levianos?) professores do Ensino Público de pretenderem fugir a uma «normal» avaliação (administrativa) de desempenho, depois de lhes terem «politicamente» suspendido esses mesmos processos de aferição profissional para, por contenção orçamental, lhes vedar o normal acesso à progressão na carreira.

Nos últimos anos, pois, têm os professores andado enredados nas malhas das burocracias que entretanto se geraram, levando à degradação do ambiente de trabalho nas escolas, à aposentação antecipada dos mestres mais experientes e a distorções na classificação dos alunos…

Da recente alteração de Governo, esperar-se-ia que o Ministro da Educação, Nuno Crato, um matemático, viesse introduzir critérios de razoabilidade na discussão com os Sindicatos de um novo processo de avaliação administrativa; questão que, num quadro de congelamento da progressão nas carreiras, deveria ser de interesse secundário, tal como sustentou esse mesmo governante, em Castelo de Vide (Universidade de Verão do PSD), ao afirmar que “o problema fundamental da educação em Portugal não é a avaliação dos professores”!

Contudo, tal não acontece… e alguns sindicatos, descurando problemas efectivamente prementes das condições de trabalho no Ensino Público – instabilidade laboral, escassíssima mobilidade horizontal e vertical (inexistência de concursos, carreiras congeladas), insuficiência de recursos, acesso gratuito à formação contínua, trabalho extraordinário não reconhecido, enfraquecimento de regimes da protecção (desemprego, doença) –, teimam em
dar prioridade à luta por um «modelo aceitável» de avaliação dos professores – questão que deveria ter sido liminarmente arredada da agenda, assim: “sem perspectivas de progressão na carreira nenhuma avaliação (administrativa, claro) faz sentido!”.

Acresce que, com o provável intuito oportunista de captar a adesão de docentes mais novos, o principal sindicato de professores tem vindo a investir numa (fácil) posição de princípio igualitário, afirmando rejeitar “a ‘leitura simples’ de se considerar que por estarem em topo de carreira, os professores não têm de ser avaliados da mesma maneira que os outros”; sem se aperceber de que, ao fazê-lo, está a dar um «tiro no pé», pois quanto mais vasto for o universo dos docentes sujeitos a notação mais se amplia a concorrência, a conflitualidade e a burocracia (o ruído) no seio do sistema de avaliação.

Essa situação até já terá feito sorrir maliciosamente Nuno Crato, habituado que está a fazer contas de somar e dividir para encontrar médias e determinar quotas sobre mapas de distribuição de resultados «gaussianamente» significantes e credíveis…!

Luis M. Mateus
(arquitecto, ex-professor na Universidade do Minho

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

De regresso

De volta, é inevitável o cortejo.
De um lado, ainda a fervilhar, a memória visual, a memória emocional, a memória que se recusa a esmorecer: a memória do deserto (litoral) e da indescritível beleza dos gigantescos vales «lunares», dos cachos de dunas sobre os leitos secos dos rios, do derrame das montanhas de areia fina e luminosa no mar e nas baías; dos quilómetros de praia selvagem; a memória do deserto (interior), do imenso e mágico silêncio, das luminosidades, das formas perfeitas das dunas douradas, ou da aridez pedregosa, dura, hostil, ou do hálito quente que nos envolve e derruba; a memória da hospitalidade, do cumprimento de mão no peito, do aceno.
Do outro lado, o regresso. O regresso à nossa portuguesa realidade que, ao contrário do que dizia o poeta, nada tem de espantosa. É a realidade do país acabrunhado, envergonhado, desistente; do triunfo da hipocrisia política e da mediocridade das elites que nos governam. É a realidade de vermos que nada, rigorosamente nada, se constitui como esperança. Pelo contrário, apenas se vê o revisto: reforço da injustiça social e crescimento da pobreza material, educativa e cultural.
É também o regresso à realidade europeia, gerida por políticos incapacitados, prisioneiros do arcaísmo das ideias dominantes e da força dos ilegítimos interesses instalados. É o regresso à realidade de um arquétipo de sociedade esgotado e falido. Depois de abdicar do seu modelo social, que tem o capitalismo europeu para oferecer? Oferece, sem pudor ético, a liberal desregulação, a liberal impunidade, a liberal depauperação.


De volta, o cotejo entre a memória e a realidade era inevitável. Está feito.
De volta, voltarei a exprimir desabafos, a emitir opiniões, a manifestar humores e a partilhar gostos, com quem generosamente quiser vir aqui espreitar.
Acerca da Educação e do resto...

Publicado por Mário Carneiro