domingo, 18 de janeiro de 2009

O MEDO...


Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.

Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.

Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.

Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido...

Alexandre O'Neill


sábado, 17 de janeiro de 2009

Um poema de Miguel Torga

Hoje faz 14 anos sobre a morte do poeta Miguel Torga, em jeito de homenagem aqui fica este poema dele.



ARIANE

Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades...
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades...

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.

MIGUEL TORGA Prisão do Aljube - Lisboa, 1 Jan 1940

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Soneto


Fecham-se os dedos donde corre a esperança,

Toldam-se os olhos donde corre a vida.

Porquê esperar, porquê, se não se alcança

Mais do que a angústia que nos é devida?


Antes aproveitar a nossa herança

De intenções e palavras proibidas.

Antes rirmos do anjo, cuja lança

Nos expulsa da terra prometida.


Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,

Antes o olhar que peca, a mão que rouba,

O gesto que estrangula, a voz que grita.


Antes viver do que morrer no pasmo

Do nada que nos surge e nos devora,

Do monstro que inventámos e nos fita.


José Carlos Ary dos Santos

sábado, 3 de janeiro de 2009

Poema de Maiakovsk

Pintura de Safira

"Na primeira noite, eles se aproximam
e colhem uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem,
pisam as flores, matam o nosso cão.
E não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles, entra
sozinho em nossa casa, roubando-nos a lua,
e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada."

Maiakovsk