sábado, 30 de outubro de 2010

MOMENTO NUM CAFÉ

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta

Manuel Bandeira

sábado, 16 de outubro de 2010

SOCRATÍADAS

SOCRATÍADAS

Aos grandes e aos varões sacrificados
Que nesta ocidental praia lusitana
Em tempos quase sempre conturbados
Ajudaram a que passasse a caravana
Contra traidores, gatunos e drogados,
Livrem-nos, por favor, deste sacana.
É o que ardentemente hoje vos peço
E, se o conseguirem, muito agradeço

Nos tempos em que Guterres governava
Vivia-se até melhor que hoje em dia.
E o Sócrates Pinto de Sousa militava
lá nas fileiras da Social-Democracia.
Desse Zé Ninguém não se espr’ava
O vil trafulha em que ele se transformaria.
E venho eu, Camões, da língua o Pai
Explicar-vos com “isto” por cá vai…

Estavas , jovem Zé, muito contente,
Com o teu Diploma já adquirido
Nessa tal Universidade Independente,
Com fraudes e artimanhas conseguido,
Assinando projectitos de outra gente
Pois que, para nada mais foste intruído.
Mas sendo um refinado vigarista,
Logo te inscreves no Partido Socialista.

Com muita lábia, peneiras, arrogância,
Depressa ousou chegar a Deputado,
E mesmo apesar de tanta ignorância
P’ra Secretário de Estado foi chamado.
E nas burlas, trafulhices e jactância,
Em que esteve nesses tempos embrulhado,
Terá sido nesse ambiente assaz sinistro
Que obteve competências p’ra Ministro.

E TU, sábio Cavaco, agora me ensina
Como posso tirar este gajo do poleiro
Pois não passa de uma ave de rapina
Mas já é segunda vez nosso Primeiro.
Mandai-o p’ra bem longe, África ou China
Já que o não podes mandar p’ró Limoeiro.
É que eu estive lá, e aquilo que acho
É que ele só sairá com um Grande Tacho!

Que seja pelos pecados deste Povo,
Teimoso no seu votar sempre às cegas,
P’ra depois implorar p’ra ter de novo
Alguém que seja outro João das Regras
Que o leve sem receios a votar
Num émulo do Oliveira Salazar!

Luis Vesgo de Camões

domingo, 3 de outubro de 2010

Falta cumprir-se Portugal!




Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fernando Pessoa, in Mensagem