
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Noite...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Oriente
Quem o cabo rondou do extremo Sul
E a costa indo seguindo para Oriente
Viu as ilhas azuis do mar azul
............................................................
Viu pérolas safiras e corais
E a grande noite parada e transparente
Viu cidades nações viu passar gente
De leve passo e gestos musicais
Perfumes e tempero descobriu
E danças moduladas por vestidos
Sedosos flutuantes e compridos
E outro nasceu de tudo quanto viu
..........................................................
Sophia de Mello Breyner Andresen
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Guitarra
da guitarra.
Partem-se as copas
da madrugada.
Começa o choro
da guitarra.
É inútil calá-la.
É impossível
calá-la.
Chora monótona
como chora a água,
como chora o vento
sobre a nevada.
É impossível
calá-la.
Chora por coisas
distantes.
Areia quente do Sul
pedindo camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
nas ramadas.
Oh, guitarra!
Coração malferido
por cinco espadas.
Frederico Garcia Lorca
(Trad.: Eugénio de Andrade)
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Ismália
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Alphonsus de Guimaraens
sábado, 26 de setembro de 2009
NÃO PASSARÃO - MIGUEL TORGA
O último triunfo é interdito
Aos heróis que o não são.
Lembra-te do teu grito:
Não passarão!
Não passarão!
Só mesmo se parasse o coração
Que te bate no peito.
Só mesmo se pudesse haver sentido
Entre o sangue vertido
E o sonho desfeito.
Só mesmo se a raiz bebesse em lodo
De traição e de crime.
Só mesmo se não fosse o mundo todo
Que na tua tragédia se redime.
Não passarão!
Arde a seara, mas dum simples grão
Nasce o trigal de novo.
Morrem filhos e filhas da nação,
Não morre um povo!
Não passarão!
Seja qual for a fúria da agressão,
As forças que te querem jugular
Não poderão passar
Sobre a dor infinita desse não
Que a terra inteira ouviu
E repetiu:
Não passarão!
Miguel Torga in Poemas Ibéricos, 1965
terça-feira, 22 de setembro de 2009
VOAREI...
Cruzando o azul do céu
Um romeiro voador
Solitário e sonhador
Rei de um reino só meu
Serei sempre como o vento
Andarilho da verdade
Catando o meu alimento
No sedutor chamamento
Dos olhos da Liberdade
Serei ave desprendida
Roçando o céu sem temor
Serei condor sem guarida
Porque a vida só é vida
Sem anilha nem senhor
Poema de Luís Costa
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Dies Irae

Apetece cantar, mas ninguém canta
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.
Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.
Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.
Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!
Miguel Torga
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Com Fúria e Raiva

domingo, 26 de julho de 2009
Aos meus amigos visitantes...
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Casa

que ferve no gasómetro do pátio
(as asas pantanosas dos insectos
reflectidas nos olhos, no olfacto,
quinta-feira, 9 de julho de 2009
Soneto quase mudo
sábado, 4 de julho de 2009
Poesia Matemática

do livro matemático
quinta-feira, 2 de julho de 2009
A prpósito dos cornos do Pinho, vamos cantar a canção do momento.

Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.
Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.
Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.
Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.
Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.
Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...
Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro aos milhões.
E diz o inteligente que acabaram
as canções.
Poema de José Carlos Ary dos Santos
quarta-feira, 1 de julho de 2009
Madrugada
sábado, 20 de junho de 2009
Último Soneto

quarta-feira, 17 de junho de 2009
Caminho

Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Vou a medo na aresta do futuro,
Do peito afugentar bem rudemente,
domingo, 14 de junho de 2009
SÍSIFO - Miguel Torga

Se puderes,
E, nunca saciado,
sexta-feira, 12 de junho de 2009
Anósia

a que moltínea se adamenta ocuva?
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Dia cansativo...

terça-feira, 9 de junho de 2009
Prémio LEMNISCATA

"O selo deste prémio foi criado a pensar nos blogs que demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos seus leitores.
Cabe-nos, mais uma vez, a difícil tarefa de repassar este selo a 7 blogues considerados merecedores de receber este prémio", devendo eles proceder de igual modo.
Assim, desta vez escolhemos:
segunda-feira, 8 de junho de 2009
LES CHATS
Aiment également, dans leur mûre saison,
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Selo Violeta

quarta-feira, 3 de junho de 2009
Divina Comédia

E apostrofando os deuses invisíveis,
terça-feira, 26 de maio de 2009
Pianinho. Um Poema de Luís Costa

Mote: Com o meu vestido preto
Eu nunca me comprometo
Tenho um discurso limpinho
E cheio de sensatez
Digo as coisas de mansinho
E falo bem pianinho
De modo muito cortês
C’o meu discurso da treta
Não há quem me comprometa
Eu não alinho em doidices
Nem abuso de topete
Com umas quantas sonsices
Outras tantas lamechices
Já componho o ramalhete
C’o meu discurso da treta
Não há quem me comprometa
Por isso eu palavreio
Sempre com muito juízo
Eu sombreio e branqueio
Pranteio e saracoteio
Mas eu nunca concretizo
C’o meu discurso da treta
Não há quem me comprometa
Não me meto em alhadas
Muito menos em querelas
Não calcorreio auto-estradas
E “manifes” nem pintadas
Não vá o outro tecê-las
sábado, 23 de maio de 2009
Crepúsculo
Pintura de Safira
E eu tinha os olhos cheios,
mas tão cheios de luz,
que se fechasse as pálpebras
ela jorraria como pranto,
como pranto — abrindo-se
em flores orvalhadas.
A luz cavava sulcos
em meu cérebro, aligeirando-o
como à árvore o vento
que lhe atira os frutos
ao chão, e aí,
libertas, as folhas
frondejam nas alturas
com um novo frémito.
A luz cavava sulcos
em meu cérebro e corria-me
pelas veias, lenta, calma.
Ággelos Sikelianós
(Trad.: José Paulo Paes)
terça-feira, 19 de maio de 2009
SINTO VERGONHA DE MIM - Poesia de Rui Barbosa

Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte deste povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-Mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o 'eu' feliz a qualquer custo,
buscando a tal 'felicidade'
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos 'floreios' para justificar
actos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre 'contestar',
voltar atrás
e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...
Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir o meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar o meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo deste mundo!
'De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto'.
Rui Barbosa
domingo, 17 de maio de 2009
El Maestro, Patxi Andion
Con el alma en una nube
y el cuerpo como un lamento
viene el problema del pueblo,
viene el maestro.
El cura cree que es ateo,
y el alcalde comunista,
y el cabo jefe de puesto
piensa que es un anarquista.
Le deben treinta y seis meses
del cacareado aumento
y él piensa que no es tan malo
enseñar toreando un sueldo.
En el casino del pueblo
nunca le dieron asiento
por no andar politiqueando
ni ser portavoz de cuentos.
Las buenas gentes del pueblo
han escrito al ministerio
y dicen que no está claro
cómo piensa ese maestro.
Dicen que lee con los niños
lo que escribió un tal Machado
que anduvo por estos pagos
antes de ser exiliado.
Les habla de lo innombrable
y de otras cosa peores,
les lee libros de versos
y no les pone orejones.
Al explicar cualquier guerra
siempre se muestra remiso
por explicar claramente
quién venció y fue vencido.
Nunca fue amigo de fiestas
ni asiste a las reuniones
de las damas postulantes,
esposas de los patrones.
Por estas y otras razones
al fin triunfó el buen criterio
y al terminar el invierno
le relevaron del puesto.
Y ahora las buenas gentes
tienen tranquilo el sueño
porque han librado a sus hijos
del peligro de un maestro.
Con el alma en una nube
y el cuerpo como un lamento
se marcha el padre del pueblo,
se marcha el maestro.
quinta-feira, 14 de maio de 2009

Loucura
Viver uma loucura,
Acreditar numa aventura.
Cada momento
de encantamento
Representa uma vitória,
no enorme caminho
Para a glória.
Cada pessoa com as quais cruzamos,
cada palavra em aque acreditamos,
Representa a verdade que queremos alcançar.
Fechar os olhos e sentir,
Ter necessidade de reagir
Ao mundo que nos faz reflectir.
Olhar em frente,
Por vezes assustar e cair.
Levantar como toda a gente,
Ter necessidade de seguir.
Acreditar é a palavra-chave,
Para não haver nenhum entrave
No caminho,
Um caminho inacabável.
Construir o futuro
Sempre instável,
Mas o coração,
Sempre seguro.
Safira
sexta-feira, 24 de abril de 2009
Liberdade, onde estás? Quem te demora?

Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!), porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha... Oh!, venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!
Bocage
quinta-feira, 26 de março de 2009
Lágrimas ocultas...

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Florbela Espanca
sábado, 14 de março de 2009
Se eu pudesse...

Se eu pudesse..
Mostrava ao mundo
O caminho da paz e do amor;
Deitava por terra
Todas as ruas da solidão e da dor;
Se eu pudesse...
Fazia uma criança sorrir;
Fazia uma flor brotar;
O mundo bem mais longe podia ir
Se todos no coração, tivessem a palavra Amor.
Se eu pudesse...
Quebrava as correias da infelicidade;
Calava as vozes da arrogância;
Mostrava aos ricos a humildade e a partilha;
Seria bem mais fácil, se todos soubessem amar.
Se eu pudesse...
Todos saberiam a diferença entre o bem e o mal;
Entre o amor e o ódio;
Entre a solidão e o companheirismo;
Entre o ser tudo e não ser nada;
Entre a humanidade e a desumanidade;
Para sabermos,
O que realmente somos nós!
Safira
domingo, 1 de março de 2009
No queda sino un beso de la sal
Pintura de Safira
SI de tus dones y de tus destrucciones, Océano
a mis manos
pudiera destinar una medida, una fruta, un fermento,
escogería tu reposo distante, las líneas de tu acero,
tu extensión vigilada por el aire y la noche,
y la energía de tu idioma blanco
que destroza y derriba sus columnas
en su propia pureza demolida.
No es la última ola con su salado peso
la que tritura costas y produce
la paz de arena que rodea el mundo:
es el central volumen de la fuerza,
la potencia extendida de las aguas,
la inmóvil soledad llena de vidas.
Tiempo, tal vez, o copa acumulada
de todo movimiento, unidad pura
que no selló la muerte, verde víscera
de la totalidad abrasadora.
Del brazo sumergido que levanta una gota
no queda sino un beso de la sal. De los
cuerpos
del hombre en tus orillas una húmeda
fragancia
de flor mojada permanece. Tu energía
parece resbalar sin ser gastada,
parece regresar a su reposo.
La ola que desprendes,
arco de identidad, pluma estrellada,
cuando se despeñó fue sólo espuma,
y regresó a nacer sin consumirse.
Toda tu fuerza vuelve a ser origen.
Sólo entregas despojos triturados,
cáscaras que apartó tu cargamento,
lo que expulsó la acción de tu abundancia,
todo lo que dejó de ser racimo.
Tu estatua está extendida más allá de las olas.
Viviente y ordenada como el pecho y el manto
de un solo ser y sus respiraciones,
en la materia de la luz izadas,
llanuras levantadas por las olas,
forman la piel desnuda del planeta.
Llenas tu propio ser con tu substancia.
Colmas la curvatura del silencio.
Con tu sal y tu miel tiembla la copa,
la cavidad universal del agua,
y nada falta en ti como en el cráter
desollado, en el vaso cerril:
cumbres vacías, cicatrices, señales
que vigilan el aire mutilado.
Tus pétalos palpitan contra el mundo,
tiemblan tus cereales submarinos,
las suaves ovas cuelgan su amenaza,
navegan y pululan las escuelas,
y sólo sube al hilo de las redes
el relámpago muerto de la escama,
un milímetro herido en la distancia
de tus totalidades cristalinas.
Pablo Neruda
sábado, 21 de fevereiro de 2009
As palavras sempre ficam...

Se me disseres que me amas, acreditarei.
Mas se escreveres que me amas,
Acreditarei ainda mais.
Se me falares da tua saudade, entenderei,
Mas se escreveres sobre ela,
Eu a sentirei junto contigo.
Se a tristeza vier a te consumir e me contares,
Eu entenderei, mas se a escreveres no papel,
O seu peso será menor.
E assim são as palavras escritas:
possuem um magnetismo especial, libertam,
acalentam, invocam emoções...
Safira
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Dia dos namorados...

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Álvaro de Campos, 21-10-1935
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Pequenos deuses caseiros...

Pequenos deuses caseiros
que brincais aos temporais,
passam-se os dias, semanas,
os meses e os anos e vós jogais,
jogais o jogo dos tiranos.
Pequenos deuses caseiros
cantai cantigas macias
tomai vossa morfina,
perdulai vossos dinheiros
derramai a vossa raiva
gozai vossas tiranias,
pequenos deuses caseiros.
Erguei vossos castelose
legei vossos senhores
espancai vossos criados,
violai vossas criadas,
e bebei, o vinho dos traidores
servido em taças roubadas.
Dormi em colchões de penas,
dançai dias inteiros,
comprai os que se vendem,
alteai vossas janelas
e trancai as vossas portas,
pequenos deuses caseiros e reforçai,
reforçai as sentinelas.
Sidónio Muralha
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Porque...

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andersen
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Nostalgia...

E as jóias que plas aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!
Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-me esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!
Ó meu País de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!
Quero voltar!Não sei por onde vim...
Ah!Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!
Florbela Espanca
domingo, 18 de janeiro de 2009
O MEDO...

o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.
Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.
Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.
Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido...
sábado, 17 de janeiro de 2009
Um poema de Miguel Torga
ARIANE
Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.
Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades...
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades...
Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.
Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.
MIGUEL TORGA Prisão do Aljube - Lisboa, 1 Jan 1940
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
Soneto

Antes aproveitar a nossa herança
Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes viver do que morrer no pasmo
José Carlos Ary dos Santos
sábado, 3 de janeiro de 2009
Poema de Maiakovsk
e colhem uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem,
pisam as flores, matam o nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles, entra
sozinho em nossa casa, roubando-nos a lua,
e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada."
Maiakovsk