terça-feira, 24 de junho de 2008

A Rosa Amarela


A rosa amarela encheu a casa com o seu perfume. Ela sentiu sempre que, entre si e as flores amarelas, existia um diálogo quase instituído. Longo, enleante, com desassombro. E dialogavam... Na vigília que a noite lhes consentia, quando esse perfume era mais extenso, mais imposto.
Ela perguntava-se por vezes como era possível que, mesmo não a conhecendo muito bem, as pessoas lhe oferecessem flores amarelas. Eram dádivas arcaicas da profundeza dos tempos, onde a intuição comandava sem outra explicação que não fosse a do inconsciente conformado por uma disciplina que a torna una, e impossível de ser outra.
E pensava na Filogenia.
Recebi-as, e o seu coração recuava a um tempo ainda próximo, mas tão distante que não sabia nem podia reconstruir. Dele tinha reminiscências que por vezes lhe acudiam aos sonhos, tornando-os quase mágicos. Era no entre o sono e a vigília.
Aí, procurava aninhar-se nos lençóis macios, mornos e ainda revoltos, que envolvia em si como uma protecção, ou talvez como uma memória.
Sabia que as mulheres, desde tempos remotos, se envolviam em panos, modelados depois, e apenas, pelo próprio corpo. Pela pele que lhes recobria a carne tumefacta e latejante de candura e desejo em simultâneo. Quantas vezes pensou que, bem no íntimo, se considerava viciosa. Mas seria depravação aquela sensação gostosa, que lhe criava desejos inconfessados? E o mais estranho é que, bem no fundo, só se desejava a si própria.
Olhava-se longamente ao espelho e queria-se. O espelho deseja-a e a tortura fazia-a infeliz porque sempre a quiseram impor «amorfa» , como uma insígnia...
Ela foi crescendo e com ela uma eutimia que a fez resistir e hoje desejar-se no seu corpo de mulher.
Nos seios túmidos cresciam os mamilos cor-de-rosa, tão vivo na auréola mate. Olhava-se como quem aprecia um prodígio da natureza. E a sua língua molhava-se... e só não lambia o espelho porque ao mesmo tempo tinha medo que que a sua imagem fosse virtual. Então tocava-se com uma fogosidade abrasadora e «amava-se» até ao desvario. Uma, duas, muitas vezes até se sentir – entre. E tudo recomeçava mal a roupa, que se enrolava ao corpo, tombava, mostrando-a inteira e nua de roupagens e grilhetas.
Ela sentiu profundamente o cheiro da rosa amarela.
Sentiu-a e amou-a
Porque aquela rosa, tinha o sol nas suas pétalas macias e carnudas. Podia tentar reproduzi-la; mas nunca seria aquela rosa. Sabia, lá no fundo do seu querer, que se não reproduz o que só a natureza cria. E por isso a olhava, enleada, apaixonadamente.
Colocou-a em frente ao espelho e ele, devolveu-a intacta. Tão apetecida.
Então, lentamente abriu a boca e quis perpetuar aquele momento. Beijou-a, sentindo o seu perfume, e depois, devagar, mastigou, mastigou- a (sem se achar nigligente) saboreando.
... E sentiu, sentiu que, o sol a penetrava, numa estranha simbiose. Agora, ela pertencia-lhe porque passaria a fazer parte do seu corpo, como já fazia parte do seu querer, como alma.
No lábio inferior, sentiu algo humedecido, e viu no espelho uma gota vermelha, escorrendo. Então, a língua sorveu – a . E era agridoce e acidulada. E havia no seu sabor um perfume estranho e quase inumano.
Mas as suas células responderam-lhe que a amavam. E sentiu-se mais forte no seu corpo de mulher: mulher/flor, mulher/sol, mulher/sangue, mulher/espelho de si própria. Num desafio permanente aos seus sentidos. Desafiando-se... desafiando a hipótese como princípio, sempre!
Por entre o «martírio da rosa» e as células que a desejaram e que um dia por intelecção cremaria para de novo renascer... num raio de sol, numa rosa amarela, numa – talvez, Mulher...

Safira

5 comentários:

Delfim Peixoto disse...

Espero vir ler mais ... Felicidades

Anónimo disse...

Olá Safira
Desculpe, mas apenas agora tive tempo para vir ler o seu texto, neste seu novo blogue, que em boa hora decidiu criar (coisas de exames).
Não vejo motivos para ter tido este texto tanto tempo na gaveta. Gosto muito da sua escrita: muito feminina, muito personalizada; uma interessante selecção lexical; texto rico em imagens e sugestões interpretativas. Há sobre todo o texto um certo véu translúcido, que "esconde" um erotismo muito sedutor.
Parabéns! Quero mais!
Vou adicioná-la aos meus blogues amigos. Já era tempo, não é verdade?

Safira disse...

Flávio Monte:
Olá meu amigo, meu colega, meu poeta virtual!
Muito obrigada pela sua visita, e também pelo seu generoso comentário sobre o meu texto... Não querendo maçá-lo muito, pois sei do imenso trabalho nas nossas escolas, já publiquei novo texto, sempre que quiser apreciarei a sua visita...

Obrigada! Abraços!

Safira

Safira disse...

Delfim Peixoto:

Olá!
Obrigada pela sua visita e pelo incentivo. Continuarei a publicar os meus escritos... Sempre que quizer, será bem vindo!

Abraço!

Safira

Deusa Odoyá disse...

oi minha nova amiga.
vc deveria ter publicado seu livro á muito tempo.
Lindo, sensível e sonhador.
o que esperas amiga.
vá ao meu cantinho e verás uma homenagem a vcs. amigos poetas e vc está incluida nesta homenagem.

beijos e fique na paz.
Sua nova amiga.

Regina Coeli.
Te aguardo no meu acntinho.

mil estrelinhas em seus caminhos.