quarta-feira, 20 de julho de 2011

Uma barbaridade chamada acordo ortográfico


A língua portuguesa foi assassinada na escola. Parece que, no coração do Ministério da Educação, certas estruturas superiores ou intermédias têm tido mais poder do que o próprio titular da pasta e conseguem impor as suas concepções, a sua vontade programática ou a sua tremenda propensão para a inércia e para a inépcia.

No que toca ao português, os alunos desabituaram-se de tirar significados, não sabem consultar capazmente um dicionário, não se habituaram a ler autores significativos e muito menos a gostar deles. Não conseguem interpretar em condições um qualquer texto literário e exprimem-se cada vez com mais problemas e deficiências no tocante à extensão e propriedade do léxico, à articulação sintáctica, ao respeito de regras gramaticais elementares, à correcção da ortografia e até da pronúncia de muitos vocábulos. Tanto quanto sei, na área das matemáticas e da simples aritmética, passam-se coisas que, mutatis mutandis, acabam por ser de sinal muito semelhante.

Sobre essas falhas básicas, o actual ministro tem tido o desassombro de dizer verdades como punhos. É portanto de esperar que ponha em prática uma série de medidas para contrariar o presente estado de coisas.

Esse estado de coisas só poderá agravar-se com a aplicação nas escolas de uma barbaridade chamada Acordo Ortográfico. Se o ministro da Educação tem dúvidas a este respeito, basta-lhe convocar alguns especialistas, ou pedir para ver o parecer da Comissão Nacional da Língua Portuguesa, ou o dos seus próprios serviços (ao tempo da assinatura do AO, a Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário). Pode mandar analisar por gente competente não apenas as burricadas que o documento consagra, mas as consequências que ele vai ter ao nível da escola: facultatividades que redundarão na desortografia, confusões e equívocos, incertezas e flutuações permanentes na aprendizagem e na maneira de escrever, pronúncias desfiguradas, lesões na própria utilização escorreita da língua, custos astronómicos directos e indirectos na criação e aplicação do sistema.

O Programa de Governo é, a este respeito, de uma insensibilidade chocante, para não dizer de uma obtusidade clamorosa. Pode-se apostar dobrado contra singelo que nenhum dos seus autores leu jamais o texto do Acordo Ortográfico. Nenhum dos seus autores sabe do que fala ou escreve quando inclui nesse programa o propósito de "implementar" a aplicação da coisa. Nenhum dos seus autores ponderou, nem de perto nem de longe, as consequências dessa aplicação.

De boas intenções estão sempre os programas cheios. Mas este é um dos pontos em que o voluntarismo de natureza política deve ceder perante as objecções científicas e técnicas que foram suscitadas e a que nunca foi dada resposta convincente. É tempo de reexaminar essas objecções sem preconceitos nem chavões estéreis.

Suspender o Acordo Ortográfico (que, de resto, não pode considerar-se em vigor) e promover a sua revisão não é apenas uma questão de bom senso. É um imperativo nacional no tocante à defesa da língua e da cultura do nosso país. E essa hoje é uma das grandes responsabilidades de Nuno Crato.

Por Vasco Graça Moura

5 comentários:

Arrebenta disse...

Querida Safira: desde 2009 que aboli as consoantes sem sentido nos meus textos, e introduzi algumas pequenas modificações, que não custaram nada. Não li o texto do Vasco Graça Moura, mas sei que quando ele aparece, cheira mal. Tem lido os meus textos? Acha que estou abrasileirado, ou continuo a morder à antiga portuguesa?
Beijos deste muito seu :-)
"Arrebenta"

Arrebenta disse...

Como dizia a minha avó (por acaso, não dizia, mas diz-se, por aí...), para trás, mija a burra, ato que ainda se verifica nos dias de hoje, independentemente da ortografia. São pressões da bexiga :-)))

Safira disse...

Caríssimo Arrebenta: É com agrado que verifico a sua presença neste meu cantinho. Certamente que em democracia cada um tem a sua opinião. A razão pela qual publiquei este texto de Vasco Graça Moura, é porque nele me revejo. Também como ele abomino o que estão a fazetr à Língua Portuguesa, que é afinal um património que pertence ao povo e este não foi consultado para nada.
A língua portuguesa é um Património Cultural Imaterial que está devidamente salvaguarda e lesgislado na Constituição Portuguesa:

“A língua portuguesa, enquanto fundamento da soberania nacional, é um elemento essencial do património cultural português.”

“Integram, igualmente, o património cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da º identidade e da memória colectiva portuguesas.”

“Constituem, ainda, património cultural português quaisquer outros bens que como tal sejam considerados por força de convenções internacionais que vinculem o estado português, pelo menos para os efeitos nelas previstos.”

N ºs 2, 4, 5 do artigo 2º da Lei n º 107/2001

Quanto ao seu português, bem eu sei que escreve e sabe escrever bem. Mas veja que no seu último comentário quando diz "... para trás, mija a burra, ato que ainda se verifica nos dias de hoje, independentemente da ortografia...", este ato é do verbo atar ou é acto de acção?

Volte sempre!

Safira

Abner Martins disse...

Na Língua Portuguesa, portuguesa ou brasileira, foram ofertados investimentos. Investimentos esses que geraram o que somos hoje. Esses investimentos são a semântica, a ortografia, as intonações e o modo de falar do povo daí e de cá. Entretanto, alguns investimentos são as mudanças na ortografia, o modo como escrevemos deste lado ou desse lado do grandioso oceano que nos separa. Há alguns anos, e bota anos nisso, aqui escreviamos "pharmacia", "theatro", "dôce" entre outras palavras como diferenciação nas grafias. Ao meu ver são grafias puxadas para o inglês, que fogem do que somos e escrevemos. MAs, volto a citar as palavras de Marcos Bagno, em seu livro "A Língua de Eulália", que os investimentos foram dados para, cada vez mais, aperfeiçoar o nosso falar e o nosso escrever. Tantoaí ou aqui, falamos português. E porquê não falarmos a mesma língua com sotaques diferentes?

Safira disse...

Caro Abner!

Você tocou no ponto que eu há muito defendo: Porque não falar português com sotaques diferentes? Porque não pode o Brasil ter a sua própria evolução, assim como Portugal?
Também por cá já se escreveu pharmácia e theatro e sophia. Eu não sou contra a actualização duma língua, mas este acordo não é uma actualização. É um assanito à língua portuguesa, tanto para vocês brasileiros, como para nós portugueses.

Recordo Jorge Amado que já dizia " não há acordo que me faça escrever de maneira diferente", estou com ele.

Volte sempre!

Safira